26 de dezembro de 2005

Mensagem de Natal 2005 - Jano



O negócio com a pobreza

Assim é o sistema. Nunca, como agora, houve tanto negócio em torno da pobreza e da exclusão social. O (aparente) paradoxo vem ao de cima sobretudo até nestas quadras mais ou menos festivas. O contexto sócio-económico é marcado pelas crescentes dificuldades para que são atiradas as pessoas, em resultado directo das políticas neo-liberais, de direita, aplicadas por sucessivos governos mais a União Europeia :- desemprego; contenção salarial; ataques aos direitos dos trabalhadores; destruição do aparelho produtivo nacional; privilégios de toda a ordem para meia dúzia de grandes grupos económicos ou financeiros; ataques violentos - e a partir dos próprios governantes - aos sistemas públicos de saúde e de segurança social; múltiplas televisões e internet´s a intoxicarem as ideias e a deformarem as mentalidades; tudo isto ainda a pretexto da trafulhice política que é esta da alegada contenção de um “défice orçamental” que, entretanto, não pára de aumentar… Sim, é este o contexto mais geral em que uma escassa minoria de grandes privilegiados “reina” sobre uma larga maioria de cidadãos com dificuldades diárias de toda a ordem ! É o “caldo de cultura” ideal para a “acção social” de milhares de entidades que agem e se afirmam quase sempre através do acesso privilegiado a fundos públicos, e não queremos aqui entrar pelas motivações individuais que também interagem no processo. Poder-se-á sempre dizer:- “coitadinhos dos pobres, excluídos e outros desamparados que sem tais instituições ainda estariam pior”… Pois, pois, mas o facto, objectivo, é que nunca houve tantas dessas instituições e entidades, ditas de “solidariedade social”, com tanto dinheiro disponível, mas, ao mesmo tempo, afinal também há cada vez mais “pobres” e excluídos e cada vez mais tragédias pessoais (!…). Quer dizer, no caso, essas instituições e entidades são um “produto” deste sistema, não para lhe “curar” as verdadeiras causas da (vasta) “pobreza” mas para lhe tratar algumas das feridas mais visíveis. Poder-se-á dizer que aliviam, mas que estão longe de satisfazer, e a preço muito alto.
São pois indisfarçáveis os vantajosos “negócios” de que desfrutam, repete-se, desde logo no acesso aos fundos públicos dos Orçamentos de Estado, anuais. A comprová-lo está, entre outros, a recente investida, no nosso País, de um dos homens mais ricos do mundo, exactamente a posicionar-se, ainda melhor, no “negócio” das instituições de carácter “social”, quanto mais não seja para ter cobertura para certas “engenharias financeiras”…
Mas também que esclarecedor seria, por exemplo, que a Segurança Social divulgasse as contas e contabilidades anuais das várias instituições, do género “solidariedade social”, a operarem no nosso Concelho ou que, pelo menos, aceitasse divulgar os montantes de dinheiros públicos que cada uma delas recebe!...
E, ainda como mais um exemplo, medite-se no caso daqueles famosos jogadores de futebol que organizam encontros ocasionais ( e constituem fundações…) para angariar fundos para os “necessitados”. Não sabemos se as consciências lhes doem pelos exageros que recebem e gastam a partir “circo” do futebol, mas sabemos que, entretanto, quando se deslocam à Alemanha – como agora aconteceu para um desses encontros – logo lhes põem à disposição hotéis e automóveis super-luxuosos, isto para além de outras (mas inconfessáveis…) “mordomias”.
Ou seja, a (maior) riqueza aparece a liderar a “gestão” da maior pobreza! Inspirando-nos nós em célebre padre jesuíta do século dezassete, diremos agora:- a imensa riqueza, esse monstro que se alimenta de pobreza e que, quanto mais pobreza consome, mais pobreza reclama…
Este é o sistema, este é o desgoverno da época. Em que o capital - e as grandes superfícies comerciais… - substituíram o Menino Jesus pelo “Pai Natal” do consumismo. Também para que nós, aqui no canto da nossa cultura “cristã-ocidental”, nos esqueçamos que a cena bíblica do Nascimento de Cristo no estábulo e o seu berço na manjedoura mais não simbolizam que a rejeição apostolar do “leito de ouro” em que alguns nascem, comem e se perpetuam ! Afinal, para nós nos esquecermos de alguns daqueles, dos mais ricos e mais poderosos, que “arranjam o farnel com o diabo” para, depois, o (quererem) “comer com deus”.

Dia de Natal, 2005
João Dinis, Jano

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