5 de dezembro de 2008

VI PASSEIO PEDESTRE - “À VOLTA DO S. MARTINHO”


Domingo, 16 Novembro – 2008 - 
Freguesia de Vila Franca da Beira -

Desta vez começou mais cedo o Passeio Pedestre, às 9 h. 30. Juntados que foram, no Largo da Capela, 65 Caminheiros/ /Passeantes, lá arrancaram eles de rosto voltado a Norte, enfrentado um vento frio, um “Soãozinho” matinal. Mas, estugado o passo, os corpos foram aquecendo e aquecendo foram as muitas conversas que se estabelecem à medida que o tempo passa e as distâncias se vencem.




fotos: Engª. Alzira Frade

Passando o rato por cima da foto, obtém a legenda

Trajecto inicial por trás das Escolas, pelo caminho velho até Aldeia Formosa que se atravessa, seguindo pela Quinta da Florência até apanhar a estradão florestal alcatroado até Seixas da Beira. Aqui, pequena paragem frente à Capela de Santa Luzia que está em obras. Calca-se uma calçada à antiga portuguesa e assim se experimenta o enrugado forte deste tipo de piso. Sobe-se ao “Estádio Luso Brasileiro” que não tem sido usado ultimamente. Mais lá, apanha-se o estradão em terra batida que nos leva até ao Vale de Ferro e à Capela da Nossa Senhora das Necessidades. 

Aqui se faz a paragem para algum descanso e para comer de farnel. Alguém toca a Sineta da Capela que repica, afinada, por montes e vales... A Nossa Senhora das Necessidades ( em Maio), ali em Vale de Ferro, já foi uma das mais abrangentes e concorridas romarias religiosas de toda a zona. Hoje, Vale de Ferro tem três ou quatro habitantes todos eles estrangeiros que por ali habitam normalmente parte do ano. As outras casas estão abandonadas, destelhadas, invadidas por silvados... Em 2005, lavrou por ali um incêndio florestal que deixou marcas visíveis. Mais abaixo, bem camuflada na paisagem, pode vislumbrar-se a aldeia (abandonada) do Vieiro, outro dos nossos objectivos para a jornada.

Entretanto, no estradão fundeiro, passam motas e “quatro-rodas” que por ali andam a fazer muito ruído. E dizem que os combustíveis estão caros... 

Um rebanho de “bordaleiras” apascenta-se indiferente ao que se passa à sua volta.

O nosso grupo de caminheiros prossegue após uma “visita” ao Vale de Ferro “velho”. São pequenas casas em ruínas, com as paredes remanescentes construídas com pequenas pedras, “bugalhos”, encaixadas umas nas outras em prodigiosa harmonia que ainda hoje, sem cimento ou similar, as mantém de pé. Um enternecedor (e quase triste) testemunho de outros tempos. Bebe-se água fresca na Fonte local revestida a granito. Ali mesmo, apanha-se e come-se maçãs que, natural e saborosamente, duas macieiras nos oferecem, sem custos e sem substâncias químicas entranhadas.

Retoma-se a marcha estradão abaixo, com cautelas que as motos ainda roncam...

Atinge-se o nível mais baixo da jornada, quase à cota do Mondego que se sabe correr ali por perto, do outro lado do monte onde, para quem (ainda) conhece, se situa o Castro do Vieiro ou Monte Castro ou Crasto, vestígio lamentavelmente esquecido de aldeia fortificada que remonta à idade do ferro. 

Agora, o estradão empina-se e serpenteia por uma encosta arruinada, hoje entregue aos caprichos da natureza depois de devassada por incêndios florestais.
O grupo, sobe a compasso, com os menos preparados a arquejar. Até há quem berre alto... Mandam-no calar para se ouvir melhor o som do vento e os silêncios do vale.

De repente, encontramo-nos aos pés da abandonada aldeia do Vieiro que já foi Póvoa do Vieiro. À medida que nos aproximamos ganham formas mais nítidas os contornos das velhas paredes, em granito sólido, de um conjunto aconchegado de casas. Todas juntas e pegadas umas às outras, todas sem telhado, com os buracos das janelas desorbitados, com os restos de chaminés a apontar o céu para elas tão ingrato. 

No cruzamento, junto ao caminho principal, emerge uma “alminha” que já foi magnífica de trabalhada e com pinturas. E mesmo tal como está, esquecida, desbotada, ainda é a mais bonita e a mais solene das “alminhas” que existem nas redondezas.

A aldeia do Vieiro tem duas ruas curtas e estreitas, por onde “circulam” as silvas que transbordam para fora das paredes. É uma aldeia abandonada de todo. Os últimos habitantes já de lá saíram há uns cinquenta anos. Vê-se que foi construída por gente de posses, de teres e haveres, pois as casas ( umas quinze) são grandes, de rés-do-chão e primeiro andar, com traça digna e semelhante. Enfim, daquilo que se pode aqui dizer, ressalta que, em tempos idos, para lá terá sido degradado um nobre que ficou sendo conhecido por Conde do Vieiro. Terão sido ele e o seu séquito os promotores das construções que permanecem juntas e contíguas, como se se protegessem mutuamente. E era caso para isso, pois, há cem anos atrás, ainda os lobos ( e os homens...) por ali andavam à caça, no Inverno...

O grupo demora-se a apreciar e a comentar aquilo que vê. Há quem produza explicações e especulações acerca daquilo que já se não vê. Certo, certo é por ali ter vivido Gente que nasceu, sobreviveu, amou, trabalhou e morreu. Hoje, morta está toda a aldeia do Vieiro. É a conhecida desertificação humana. Mas é também o desleixo oficial de governos e autarquias que mantêm toda a zona do Vale do Mondego em estado de quase abandono. Sabe-se que um particular é hoje dono desta aldeia e que persegue a concretização de um projecto para a recuperar para turismo. Pois seja, e quanto mais depressa melhor, pois a aldeia só terá sentido outra vez com homens, com mulheres, com jovens e crianças.

Volta-se a caminhar estradão acima que não se compadece e continua a empinar por entre resquícios de pinhal. Uns quinhentos metros depois, estamos ao fundo da Póvoa de S. Cosme, uma aldeia felizmente ainda habitada. Poderemos dizer que estando o grupo ao fundo da Póvoa ainda assim já está bem alto. De lá, já se enxerga bem Vila Franca da Beira, toda a Este e tendo por trás o maciço da Serra de Estrela. 

Sem chegar a entrar na Póvoa, o grupo guina por outro estradão e começa a descer para a extrema Norte da Quinta da Cerca. E desce - huf ! – até à Ribeira d’ Arca que se atravessa por um pontão. Daqui, nova guinada desta vez a noventa graus e virados a Este...à Ponte d´Arca e a Vila Franca.

Eis quando acontece o inesperado. Alguém resolve atiçar um ninho de vespas – abelhões – que se lança, numeroso e enfurecido, sobre o grupo. As vespas “vingam-se” e ferroam à ganância nas caminheiras e nos caminheiros mais próximos. Há gritos, correrias espavoridas, imprecações, grande agitação e quase se instala o pânico. O grupo reorganiza-se cem metros mais longe e analisam-se os “danos” sofridos. Há muita gente que foi “ferrada” pelas vespas e os hematomas já se notam vermelhos e em crescendo. Algumas das mulheres descobrem que ainda trazem vespas enfiadas nos cabelos e até nas roupas. Mais gritos e mais agitação... Por fim, mais calmo, o grupo retoma a marcha apoiando os mais atingidos. Felizmente, ninguém é alérgico à ferroada destas vespas. Os comentários são aqueles que se pode imaginar... O ensinamento é que ninguém deve atiçar ninhos de vespas, pelo menos durante estas caminhadas.
Ponte d´Arca afora e entra-se em Vila Franca pela extrema virada a Poente. Percorre-se a povoação, sob olhares curiosos, e chega-se à Sede da UDV, União Desportiva e Tuna Vilafranquense onde tem lugar o almoço-convívio. Foram dez quilómetros, ou quatro horas, de caminhada por montes e vales.

Ainda não estávamos dentro da Sede da UDV mas já o cheiro à comida nos dilatava as narinas e o apetite... Na cozinha, as cozinheiras de serviço aprontavam o prato do dia, o Arroz do Osso da Assuã (enfim, à base de costeletas de porco).

As compridas mesas também já estavam disponíveis. Quando assomou ao salão o Arroz ainda a ferver, o grupo e outros convivas agora presentes fizeram fila indiana para se irem servir junto aos tachos.

A seguir fomo-nos sentando e o repasto consumou-se... 

Com vinho, com água e sumos, com broa e trigamilho, com salada. Depois, com Queijo da Serra, com Requeijão de ovelha, com Fruta, com Castanhas assadas, com Jeropiga e, a coroar, com um “digestivo”, uma Aguardente de Pêra de S. Bartolomeu, esta uma bebida especial e genuína. Quem quis culminou com uma “bica” no Bar da UDV. Bela festança !

Terminou a jornada. A alguns e a algumas trouxe-lhes novas experiências, também estas “ardentes” e inesquecíveis:- o ataque e as ferroadas das vespas ! 

Ficar-nos-á a todos na lembrança, esta jornada, pelas coisas belas ( algumas tristes) que vimos e intuímos. Por aqui, a natureza ainda manda mas, francamente, também campeia muito desleixo das autoridades oficiais que devem ser chamadas a cuidar, mais e melhor, deste nobre e belo Vale do Mondego. A civilização futura agradecerá.

João Dinis, Jano

Nota:
- Este VI Passeio Pedestre –“À Volta do S. Martinho” - integra-se nas comemorações dos 20 Anos da Freguesia de Vila Franca da Beira e foi promovido pela Junta de Freguesia. Agradece-se todas as colaborações.